Minha filha, a sua carta de mãe me comoveu. Senti vontade de
chorar com você, ao lê-la, relatando o drama da filhinha de 8 anos vitimada
pela leucemia, após uma luta que se arrastou porvinte e quatro meses, inclusive
com um transplante de medula malsucedido.
Você me fala de seu anjo de cabelos encaracolados, ficando o tempo todo resignada, ante os agressivos tratamentos quimioterápicos que, cada vez mais, a deixavam abatida e desfigurada.
Em suas palavras, você me solicita: - “Dr. Inácio,
encontre-a para mim e cuide dela...” Acredite, o seu pedido soou como uma ordem
ao meu coração. Já estou providenciando localizá-la, para transmitir-lhe as
suas notícias, todavia não pense que, deste Outro lado, existam crianças
abandonadas, qual, infelizmente, acontece na Terra. Neste sentido, os nossos
serviços são muito mais perfeitos que os dos homens encarnados, que, de maneira
geral, na infância desvalida, relegam o próprio futuro ao descaso.
Se, por exemplo, a sua filhinha desencarnada não estiver sob
a tutela de familiares que a precederam na viagem de volta, estará aos cuidados
de uma família que, de imediato, a terá adotado, protegendo-a, em nome de Deus,
para você, até que, um dia, o reencontro lhes seja possível.
Não chore! Obterei as informações que você deseja e, mesmo
que não possa repassá-las em detalhes ao seu coração, devido a dificuldades
técnicas comuns na tarefa do chamado intercâmbio mediúnico, você não ficará sem
o conforto da fé na imortalidade.
Se tudo desaparecesse no Universo, as mães e as crianças,
além dos gatos, não desapareceriam nunca! O Amor sobrevive a qualquer tipo de
destruição. A morte é uma ilusão da qual precisamos nos desfazer de uma vez por
todas.
Você, ainda, me pergunta o que seu anjinho terá feito para
merecer tão triste provação... Reflita: Deus não é injusto! – “A minha filha,
Doutor – argumenta -, uma flor que sequer chegou a desabrochar, fenecendo a na
própria haste...” Em cada existência, o espírito vivencia as experiências que
mais necessita ao seu progresso. Não há, entre uma vida e outra, solução de
continuidade, como não existem hiatos na Criação Divina. Em vidas pregressas,
todos já nos equivocamos muito, acumulando amarguras e decepções. Os nossos
erros, quando extrapolam, se nos fixam o corpo espiritual, e conseqüentemente,
se refletem no corpo de carne, que, por assim dizer, é a parte mais externa de
nós mesmos. A doença é processo de cura no espírito!
Outra coisa: em tudo que lhe aconteceu, você tem à sua
disposição excelente material para concluir que, de fato, a Vida é bem mais do
que os homens comumente imaginam. Que sentido, por exemplo, ela teria para você
e sua filhinha, ante a felicidade que parece reservar a outras mães junto aos
rebentos amados? De que critérios ela se utilizaria para conceder a uns o que
nega a outros? Estaríamos à mercê do acaso? Todas estas questões, no entanto,
esbarram na ordem que impera na Criação Divina, contestando a teoria do caso
das teses materialistas. O Universo é uma Obra de Inteligência e de Amor! Deus
a nada e a ninguém privilegia. As oportunidades que, em relação aos outros, nos
são aparentemente negadas, são aquelas mesmas que malbaratamos e aquelas de
que, sem dúvida, voltaremos a desfrutar.
Está escrito em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no
capítulo 9, que “a dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos...” Somente
pela visão espírita, o homem será capaz de entender o sofrimento na condição de
bênção. Não foi por outro m
otivo que Jesus bem-aventurou os aflitos! Não me
encontro entre os apologistas da dor – quando piorréia generalizada começou a
atormentar muito, fui ao dentista e mandei que todos os meus dentes fossem
extraídos; coloquei duas “chapas”, ou seja, duas dentaduras, e... pronto. No
entanto, devo reconhecer que quem não sofre, ainda que seja um tiquinho só, não
cresce! É neste sentido que a dor é uma bênção e que a aflição é boa. A dor
retempera o aço que somos, e o amor dá os retoques finais à obra-prima!
Espero que você esteja me compreendendo. Coloco-me em seu
lugar de mãe e, apenas de admitir um filho meu desencarnando antes de mim,
quase vou à loucura... Se somente de pensar na hipótese me transtorno, imagine
você, minha irmã, na experiência real da mais doída de todas as saudades!
Conheço mães deste Outro Lado que vivem completamente
desassossegadas pelos filhos que deixaram no mundo. Quando não podem, por si
mesmas, ir e vir de iniciativa própria à superfície do Orbe, vivem procurando
os nossos serviços de informação, com o intuito de obterem notícias daqueles
que parecem ter sido formados de um pedaço do seu coração. As mães não esquecem
nunca! Se, na reencarnação, não houvesse a bênção do olvido temporário, as mães
haveriam de querer ser sempre mães dos mesmos filhos... Seria um problemão para
Deus, concorda?
Mas voltemos ao assunto central desta carta, que espero
possa chegar às suas mãos. Não se preocupe, minha irmã. Farei o que estiver ao
meu alcance para encontrar a sua menina. Ela será, com a sua permissão e a dos
verdadeiros avós, é claro, a minha primeira neta adotiva. Peço aos seus pais e
aos pais de seu marido para não ficarem com ciúmes.
Eu sempre estive dividido entre os meus pacientes no
Sanatório e as crianças no Lar Espírita, que, com um grupo de amigos, fundamos
em Uberaba – um Lar que só acolhia meninas, que eu gostava de ver sempre bem
penteadas e de fitinhas amarradas aos cabelos! Que festas, meu Deus, elas
faziam para mim quando, escapulindo do Sanatório para respirar, eu as visitava,
apertando as bochechas rosadas de uma e de outra!
Portanto, fique tranqüila e, enquanto espera pelos Desígnios
Divinos, não sossegue a sua capacidade de amar a outras crianças,
principalmente àquelas que foram enjeitadas pelos seus genitores biológicos. É
possível que possa detectá-las no primeiro semáforo, sujas, desnutridas e
maltrapilhas, estendendo a pequena mão à indiferença dos que passam, incapazes
sequer de levantar o vidro do carro para uma palavra de carinho... Meu Deus,
quanto carma, coletivamente, a Humanidade está acumulando para si mesma!
Vá, minha irmã, ainda hoje se possível, a uma creche ou a um
orfanato, em nome de sua filhinha, que tanto amor continua recebendo de você,
levar um pouco de amor aos garotos de futuro incerto... faça pelos filhos sem
pais no mundo o que os pais sem filhos deste Outro Lado haverão de fazer pela
sua pequena Thaís!
Perdoe-me se não pude lhe responder segundo as suas
expectativas. Para falar de igual para igual a uma mãe sofredora, penso que só
outro coração de mãe sofredora, e eu – pobre de mim! – nem as alegrias da
paternidade pude conhecer.
Dr. Inácio Ferreira (Espírito), pelo médium Carlos Baccelli
Do livro "Cartas do Dr. Inácio aos Espíritas"
Editora LEEPP - Uberaba, Minas Gerais
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